REFLEXÃO EM FOCO DA SEMANA: MIRACEMENSE IARA BRAGA, FALA EM REDE SOCIAL SOBRE SEU PAI EDUARDO DO HOT DOG, QUE MORREU COM COVID-19, EM MIRACEMA-RJ:
REFLEXÃO EM FOCO DA SEMANA:
_Carta aberta às pessoas que ainda não acreditam na Covid-19:
"Tudo começou quando meu pai apresentou uma tosse que só eu, dentro de casa, estranhei. Era uma quinta-feira e ele achava que era um resfriado normal que ele tinha em todo mês de abril. Como alguns amigos já tinham me alertado sobre o perigo da nebulização em relação à covid, falei que só permitiria que ele nebulizasse após o negativo, já que esse era o principal tratamento das gripes dele.
Os dias foram passando e percebi que a tosse ficou agressiva. No domingo, começou a apresentar febre. Na segunda, após muita insistência, ele procurou a triagem e fez o teste. Neste momento, ainda em casa, minha mãe apresentou os primeiros sintomas.
Eu relutei para aceitar que todos estaríamos contaminados, mas não teve jeito. Na segunda à noite ele me derrubou e tive febre, muitas dores e vômito, tudo junto. Na terça, eu e minha mãe também precisamos fazer o teste.
Na sexta-feira da mesma semana os resultados saíram e, para nosso descontentamento, todos estávamos contaminados. Neste mesmo dia, meu pai fez alguns exames e viu 25% de acometimento pulmonar, mas não o hospitalizaram porque a saturação não caiu.
A partir daí começou o filme de terror: todos nós três medíamos a saturação praticamente de hora em hora, com medo do pior. A cada dia, aparecia um sintoma diferente e, ao procurar os médicos, era dito que tudo aquilo era normal e ia passar (principalmente eu, que sentia dores absurdas).
Na semana seguinte, notamos que meu pai tinha febres altas e insistentes. Retornamos à triagem e fomos surpreendidos: agora já era cerca de 50% de acometimento pulmonar.
Ao longo desses dias, minha mãe também teve 25% de acometimento pulmonar e toda a medicação foi alterada.
Numa terça-feira, cerca de duas semanas após o início dos sintomas, começou o agravamento: a saturação do meu pai chegou ao nível inadequado. Era tarde da noite. Retornamos à triagem. A resposta da médica (quase desesperada): "seu José, não posso te deixar aqui porque tem gente saturando 50 e você tá saturando 93 e não tenho oxigênio livre". Muda os remédios e manda voltar pra casa.
No dia seguinte, a saturação chegou aos oitenta e poucos. Retornamos à triagem. Apareceu um oxigênio disponível. Já era 70% de acometimento pulmonar. Ele tinha que ficar internado por lá e já tinha entrado na FILA para um leito. A esperança, agora, era que ele respondesse aos medicamentos venosos. Neste mesmo dia, minha mãe foi consultada e os pulmões dela não haviam apresentado melhora. Trocaram os remédios.
No dia seguinte, vagou um leito e ele foi transferido para o atendimento que precisava. Se despediu de mim e disse: "sei que não vou voltar; cuida da sua mãe".
Dois dias depois, era vez da saturação da minha mãe cair. Aqui, eu já chorava o tempo todo, de medo. Trocaram os remédios. Mandaram para a casa com o mínimo de oxigenação adequado.
Após alguns dias, era o retorno dela. Os pulmões, por um milagre, estavam limpos. O teste apontou "curada". Choramos juntas no meio de todos, na triagem mesmo.
Até aqui meu pai estava consciente. Pedimos que os médicos falassem com ele que ela estava curada. Ela era a maior preocupação dele. Não temos certeza que o recado foi passado, mas aquelas foram as últimas horas dele consciente porque a intubação foi necessária.
A partir de então, foram onze dias intubado. O celular dela estava cadastrado como o contato oficial do hospital e ela já não queria atender. Mudou para o meu. Cada vez que tocava, o coração disparava. Eu preferia ouvir "seu pai está intubado e em estado grave".
Ele chegou a ser um dos melhores pacientes da terapia intensiva. Por alguns dias, respondeu muito bem à ventilação. Eu chorava pelo menos umas três vezes ao dia, mas rezava muito mais, imaginando a festa que seria o seu retorno.
No nono dia de intubado, desenvolveu uma espécie de infecção generalizada, muito comum em pacientes de covid. O décimo dia de intubado era o aniversário dele. 64 anos. Já recebeu as primeiras doses de adrenalina. Na madrugada do dia 13, meu aniversário, ele faleceu e aconteceu o que eu sempre falei com ele que aconteceria: esse vírus fez estrago. O coração parou. Da briga que antes era com os pulmões, o coração desistiu. E ele nunca acreditou.
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